terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Hipermobilidade Articular e Síndrome da Fadiga Crônica (SFC)


Alan Pocinki, MD  - George Washington University Hospital


A frouxidão articular ou hipermobilidade, é uma característica comum encontrada na  síndrome da fadiga crônica (SFC). Na verdade, eu acredito que é uma característica da SFC. Peter Rowe e seus colegas,  da Universidade Johns Hopkins , relatou pela primeira vez a associação da SFC com intolerância ortostática e hipermobilidade articular em 1999 [1], e desde então, eu não vi um único paciente com SFC que não fosse hipermóvel, nenhum. A maioria dos pacientes hipermóveis não parece doente e, como resultado, amigos, colegas e até mesmo os médicos podem ser indiferentes. Além disso, eles podem passar anos sem sucesso procurando a causa de sua dor crônica e outros sintomas, porque muitos médicos não estão familiarizados com a síndrome de hipermobilidade e seu conjunto complexo de sintomas. Isso soa familiar para você?

A pontuação de Beighton é usada para medir o grau hipermobilidade de uma pessoa. Um ponto é atribuído para a capacidade de realizar cada um dos seguintes movimentos: 
·        dobrar o quinto dedo de volta mais de 90 graus (1 ponto cada lado);
·        dobra o polegar para a frente para tocar o seu antebraço (1 ponto cada lado);
·        hiper-extensão os cotovelos e joelhos, ou seja, dobrando-as para além de uma linha reta (1 ponto cada articulação, cada lado):
·        colocando as palmas das mãos no chão sem dobrar os joelhos (1 ponto).

A Síndrome de hipermobilidade articular (SHA) é definida principalmente pela presença de dor nas articulações hipermóveis (a pontuação Beighton de quatro ou mais). Os tecidos moles (músculos e tendões) ao redor das articulações hipermóveis estão sob tensão constante ao  tentarem estabilizar as articulações, mas  eles mesmos são frouxos e fracos e são propensos a romperem e a produzirem espasmos, levando à dor e à rigidez das articulações. Muitos desses locais dolorosos correspondem aos pontos dolorosos da fibromialgia e a hipermobilidade articular é, de fato, conhecida por predispor ao desenvolvimento (dos sintomas atribuídos) à fibromialgia.

A associação da SFC com a SHA não é surpreendente, se considerarmos as características típicas da síndrome de hipermobilidade articular (SHA) (agora considerada idêntica ao tipo hipermovel de Ehlers-Danlos, ou SED): fadiga, dores musculares e articulares; sono não reparador; e disfunção do sistema nervoso autônomo, incluindo a intolerância ortostática e mal estar pós-esforço. Assim como os pacientes da síndrome da fadiga crônica, os pacientes hipermóveis estão mais predispostos a uma meia dúzia de tipos diferentes de dores de cabeça. , Os pacientes hipermóveis e muitos pacientes com SFC  toleraram bem os  seus sintomas até que um estresse agudo, de repente,  faz com que haja um declínio significativo da função. Na SFC, o estresse agudo é frequentemente uma infecção viral, daí a associação de dores de garganta e gânglios inchados, com alguns casos de SFC.

O comprometimento cognitivo em pacientes com hipermobilidade é provavelmente o resultado de anos de dor crônica, sono de má qualidade e / ou má circulação, tanto quanto  em pacientes com SFC.  Os  pacientes com SFC têm ,muitas vezes,  outros sintomas, tais como mãos e pés frios, dores de cabeça,  contusões fáceis e enxaqueca, que são típicas das síndromes de hipermobilidade.

Nos últimos anos, eu descobri que os estudos do sono dos pacientes com SFC e com SED são indistinguíveis, sendo ambos primariamente caracterizados por um aumento do número de interrupções de sono e uma quantidade reduzida de sono profundo. O teste do sistema nervoso autônomo mostra padrões praticamente idênticos de disfunção em pacientes com SFC e em  pacientes com SED do tipo  hipermóvel .
Um programa de tratamento básico para restaurar o equilíbrio autonômico em ambos os grupos de pacientes é:
  • dormir melhor - reduzindo despertares e aumento de sono profundo;
  • adequado controle da dor, incluindo exercício físico apropriado,
  • fisioterapia;
  • adequada ingestão de sal e líquidos;
  • minimizar as tensões emociona
  • conservar a energia de repouso, quando necessário e não "ir levando" a  fadiga.

Eu acho que o argumento mais convincente de todos é que a Síndrome da Fadiga Crônica (SFC), na maioria dos pacientes, é uma hipermobilidade com disauotnomia associada. É que, apesar de baixas taxas  de recuperação publicadas, esta abordagem de tratamento faz com que a maioria dos meus pacientes de SFC tenham  alguma melhora! 

Referência:
[1] Rowe PC, Barron DF, Calkins H, Maumenee IH, Tong PY, Geraghty MT.
 Intolerância ortostática e CFS associado com Síndrome de Ehlers-Danlos. Journal of Pediatrics. outubro1999; 135 (4) :494-9. 

Tradução:Maria Raquel Miranda

Texto original: Joint Hypermobility and CFS - http://www.research1st.com/2011/10/31/joint-hypermobility-and-cfs/


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dor, Hipermobilidade e Síndrome de Ehlers-Danlos (SED)

 Rodney Grahame CBE, MD, FRCP, FACP
 Professor Emérito de Reumatologia, University College Hospital, em Londres.

Quando a Síndrome de Hipermobilidade foi pela primeira vez incluída no mapa médico,  em 1967, foi definida como a presença de sintomas músculo-esqueléticos (predominantemente dor) que ocorrem em indivíduos saudáveis. Agora, acho que provavelmente existem dois tipos de hipermobilidade.
O primeiro é um tipo mais suave que ocorre em pessoas cujas articulações são apenas como todos os outros, mas que têm a capacidade de mover-se mais do que as articulações da maioria das pessoas. O outro, uma forma mais acentuada, tem características que sugerem que pode ser parte de uma doença hereditária do tecido conjuntivo semelhante ao tipo Hipermóvel da Síndrome de Ehlers-Danlos (SED, anteriormente chamado SED tipo III. Provavelmente, é SED. No presente momento, nós simplesmente não sabemos ao certo se a Síndrome da Hipermobilidade Articular(SHA) é ou não, apenas um tipo menos grave da SED III. A dor pode ocorrer em outras formas. Para o resto deste artigo, a fim de evitar confusão, vou me referir a hipermobilidade como uma condição, SHA / SED. Há muitas pessoas com hipermobilidade articular na sociedade que não sentem dor (ou muito pouco). A maioria delas provavelmente nem sequer sabem que são hipermóveis. Então algo acontece, e eles começam a sentir dores pela primeira vez em suas vidas. Normalmente, um exercício inesperado, ou uma mudança de emprego, ou novo estilo de vida provoca o surgimento da dor. Quando os sintomas começam, e independentemente da causa da hipermobilidade, "síndrome de hipermobilidade" é o termo  usado para descrever esta condição. Hipermóveis quando sem dor são apenas chamados pessoas hipermóveis.

Um fato pouco conhecido é que a hipermobilidade ocorre em muitos indivíduos em apenas algumas articulações. Não tem necessariamente de afetar as articulações todas. Mesmo a hipermobilidade em uma única articulação pode causar dor e / ou instabilidade nesta articulação, o diagnóstico, mesmo assim, é síndrome de hipermobilidade (SHA / SED).

As pessoas nascem hipermóveis. A hipermobilidade está em seus genes. É a maneira como eles são feitos. Então, como é que as pessoas com hipermobilidade podem estar literalmente bem por décadas, e de repente ser derrubado por uma dor generalizada, que retira a sua tranquilidade, que transforma a  sua condição que predominou durante a infância, adolescência ou vida adulta? Para explicar esses acontecimentos curiosos e aparentemente inexplicáveis, postulamos que a pessoa afetada, neste caso a pessoa hipermóvel, tinha uma fraqueza inerente a ela, ligada à produção do colágeno ou proteína similar. Essa fraqueza torna os tecidos do corpo menos robustos e, portanto, menos capazes de enfrentar as tensões físicas da vida diária. Podemos explicar um monte de dor que surge em função de uma série de (muitas vezes pequenas) lesões que ocorrem sempre que há uma incompatibilidade entre as exigências físicas de um lado, e a força das partes do corpo que estão sendo solicitados a realizá-las, de outro. Há toda uma série de lesões dolorosas que podem resultar, variando de deslocamentos a fraturas, hérnia de disco, entorses de ligamentos, distensões musculares, estiramento de tendões (como cotovelo de tenista ou fasceíte plantar), etc - condições que podem acontecer a qualquer um, mas que ocorrem mais facilmente em pessoas com o SHA / SED. Se uma pessoa conhece sua força (ou a falta dela), ele deve ser capaz, em teoria pelo menos, de permanecer dentro de uma margem de segurança e, assim, proteger-se de uma lesão. Até certo ponto, isto é assim. Muitas pessoas com  SHA / SED são capazes de modificar seu estilo de vida e fazer exatamente isso. Outros acham que é mais difícil.

As articulações começam, precocemente, a perder sua cartilagem, que é essencial para o movimento suave entre os ossos adjacentes. Este desgaste anuncia o início da osteoartrite, em si mesma, uma condição dolorosa. É uma forma muito comum de artrite na meia idade e idosos, e as pessoas hipermóveis parecem ser propensos, em muitos casos,ainda jovens. É importante estabelecer, tanto quanto possível até que ponto a dor é devido ao trauma / excesso de uso, ou osteoartrite precoce, pois o tratamento é muito diferente. A ênfase com a primeira é na prevenção, enquanto que neste último, o tratamento é outro.
No entanto, nem a susceptibilidade à lesão ou uso excessivo (lesão repetitiva), nem osteoartrite, explica toda a dor que é sentida no SHA / SED. Há mais do que isso.

"Influências emocionais podem amplificar a dor, mas não causá-la."

Vamos tentar juntar as peças do quebra-cabeças juntos. A dor é algo que sentimos. Mesmo que tenha uma causa física, uma vez que, sem dúvida,ela existe na SHA / SED, ainda é uma experiência subjetiva. É muitas vezes acompanhada por uma intensa sensação de exaustão. A gravidade da dor que nós sentimos é muito influenciada pelo nosso estado de espírito. Se estamos chateados ou agitados ele tende a aumentar. Se estamos satisfeitos, relaxados ou apenas felizes tende a diminuir. As pessoas com  SHA / SED estão, muitas vezes,  na primeira categoria, e por boas razões! A falta de compreensão da condição é generalizada, juntamente com a ausência de um  tratamento adequado para o alívio dos sintomas, leva à frustração, ressentimento, raiva (e muito mais emoções que eu poderia listar, mas os leitores sabem todos eles muito bem!) e, finalmente depressão. Estas influências emocionais podem amplificar a dor, mas não causá-la.

Outra peça do quebra-cabeça é uma condição misteriosa chamada fibromialgia. Esta condição faz com que a dor crônica generalizada nos músculos seja identificada pelo achado de "tender points", pontos dolorosos múltiplos em locais específicos no corpo. Durante anos, o debate tem sido travado sobre se se trata de uma doença física que afeta os músculos, ou se é um transtorno emocional. A visão predominante é que é, provavelmente, alguma forma de sinal de socorro que pode surgir em pessoas com uma série de condições diferentes e não relacionadas. Como isso se relaciona com hipermobilidade? É que tem sido demonstrado que a hipermobilidade e fibromialgia ocorrem juntas na mesma pessoa mais frequentemente do que se poderia esperar com base em um acontecimento fortuito. Isso não significa que elas (fibromialgia e hipermobilidade) são parte da mesma condição.Seria, na verdade, muito improvável que o que é claramente um distúrbio adquirido (fibromialgia) possa ser uma parte integrante do que é claramente uma doença genética (SHA / SED). Mas, provavelmente, a fibromialgia deva ser encarada como um sinal proveniente de uma pessoa com  SHA / SED angustiado. Porém, a fibromialgia como tal, ocorre apenas raramente na SHA / SED. Devemos olhar para mais longe.

Parece bastante provável que possa haver uma explicação totalmente diferente para o fardo da dor suportada por pessoas com  SHA / SED. Aqui estão duas pistas:

A primeira pista diz respeito ao sentido chamado propriocepção, o que significa saber onde partes do corpo estão no espaço. Se você fechar os olhos e alguém dobrar um dos seus dedos ou pegar o seu braço e levantar, você sabe imediatamente o quanto o seu dedo é dobrado, ou one e como o seu braço está agora. Isso é porque você tem uma boa propriocepção. Os cientistas demonstraram que pessoas com  SHA / SED não são tão boas como as outras pessoas em saber exatamente onde seus dedos ou braços estão no espaço. Isto poderia levar a um aumento adicional do risco de lesões.

A segunda pista é a descoberta de que pacientes com  SHA / SED, por algum motivo, não parecem experimentar a anestesia total como efeito de injeções de lidocaína, quando estes são dados para fins odontológicos, pequenas cirurgias ou na anestesia epidural (Pergunto-me quantos leitores estão acenando suas cabeças enquanto lêem isto!).

No presente momento nós não sabemos exatamente o que qualquer uma destas pistas indicam ou se elas se relacionam entre si. Mas elas sugerem que as pessoas com  SHA / SED, além de sua propensão à luxação, lesões e artrose, também podem ter uma falha na forma como esses sinais de dor são captados para posterior transmissão para o cérebro, onde atingem a consciência. Trabalho de pesquisa está em andamento para tentar resolver este enigma. Muito mais precisa ser feito. 

Os leitores devem saber que muitos métodos de tratamento convencionais, do tipo oferecido para dores reumáticas em geral, não são particularmente úteis no SHA / SED. A fisioterapia ainda tem a melhor perspectiva para o alívio da dor, e é encorajador que mais fisioterapeutas estejam procurando por  métodos que sejam úteis nesta condição. Outro desenvolvimento notável é a rede de unidades em todo o país (Inglaterra) que estão oferecendo programas de gestão da dor, uma abordagem que tem se mostrado benéfica no SHA / SED, onde a dor intratável está presente.
    Artigo revisado em 15 março, 2009.

    Tradução: Maria Raquel Miranda – Diretora de Comunicação da SED BRASIL -  sedbrasil@hotmail.com


    Sugestão: leia também: Síndrome de Ehlers-Danlos e Hipermobilidade  http://sindromedeehlersdanlos.blogspot.com/2008/06/ehlers-danlos-e-hipermobilidade-ii.html

e, ainda: A dor na Síndrome de Ehlers-Danlos
http://sindromedeehlersdanlos.blogspot.com/2009/07/dor-na-sed.html